domingo, 30 de julho de 2017

Professora Diva Guimarães emociona na FLIP


"Quem não esteve na FLIP 2017 pode participar de seu ponto mais alto, ouvindo as palavras de uma brasileira que sente na pele o racismo de nosso país,e que graças à educação formal, não formal e informal , conseguiu afirmar-se e como ser humano e cidadã, afirmando, honrando e exaltando sua origem africana". Madza Ednir






A professora  Diva Guimarães, foi responsável por um momento de forte emoção na Flip (Paraty, 28/07/2017), quando pediu a palavra no evento Território Flip/Flipinha: "A pele que habito". Mesa com Lázaro Ramos e a jornalista portuguesa Joana Gorjão Henriques.


"Com medo ou sem medo, a gente tem que falar"

A professora Diva divou mesmo! Veja a matéria de O Globo!

Um perfil de Diva Guimarães, a professora de 77 anos que roubou os holofotes na Flip
Da plateia, paranaense falou sobre racismo em mesa com Lázaro Ramos e Joana Gorjão Henriques


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Encontro de Diva Guimarães e Conceição Evaristo na Flip 2017 - Ana Branco / Agência O Globo


PARATY - Diva Guimarães virou celebridade em Paraty, ofuscando até os escritores convidados da Flip. Após dar um emocionante depoimento sobre racismo na mesa que uniu o ator Lázaro Ramos e a jornalista Joana Gorjão Henriques para discutir o tema, a paranaense não consegue dar mais que dez passos pelas ruas do Centro Histórico sem ser abordada. Pessoas pedem fotos, abraços e até autógrafos. Na internet, o vídeo com o registro de sua participação foi visto mais de cinco milhões de vezes. E isso porque ela diz que coisa boa não dá ibope.

— Estou assustada! — confessa ela, admitindo estar também empolgada com a repercussão de sua fala. — Não me preparei para isso, se tivesse pensado, não teria levantado da cadeira, sou muito tímida. Naquela hora quis representar quem não pôde estar aqui. Falei ali pela minha mãe, pelos meus antepassados. Foi um renascimento, uma libertação.


A história que a fez vencer a timidez para narrar “com a alma” um episódio de racismo sofrido num internato católico de São Paulo (e que a levou para o espiritismo, por “pavor” do catolicismo), poderia ter sido tristemente substituída por outra, que viveu dias antes, em Paraty.


— Eu estava passeando pela rua, quando uma mulher me chamou de forma agressiva e disse: "aposto que esse cachorro que vem aqui e faz cocô em tudo é seu!". Por que aquele cachorro tinha que ser meu? Ele poderia ser de qualquer outra pessoa. Eu apenas disse: "eu sei porque você está dizendo que esse cachorro é meu". É racismo. Às vezes eu ignoro, às vezes eu respondo de forma cínica, dessa vez falei no mesmo tom — explica. — Isso aconteceu aqui, na Flip, quando estão homenageando quem? Lima Barreto, que é negro. Nem todo mundo tem essa capacidade de compreensão — completa ela, dona de uma ironia fina, no melhor estilo do homenageado da festa.

Alfabetizadora e professora de educação física aposentada após 40 anos de trabalho, ex-velocista e ex-jogadora de basquete, esporte que ainda acompanha com paixão, Diva é neta de escrava com português, filha de uma lavadeira, que trabalhava em troca de material escolar para que a filha pudesse estudar. Adora ir ao cinema e ao teatro (“quando o preço do ingresso permite”) em Curitiba, onde mora, mas principalmente gosta de ler. Também se diverte contando suas histórias. Diva é muitas, mas não é vítima. E nem “dona” Diva. Só Diva. “Sou também uma sobrevivente”, enfatiza.

— Eu descontava a raiva pelo que acontecia comigo no esporte. Acho a melhor coisa para educar. O esporte disciplina, e ensina até mesmo a lidar com as frustrações e as injustiças. Educação física não é festinha - conta ela, que foi treinada por Almir Nelson de Almeida, “basquetebolista” que representou o Brasil nas olimpíadas de 1952, e considera Pelé o maior atleta de todos os tempos - Mas como pessoa influente, que poderia ter nos ajudado, ele falhou. Ele diz que não existe preconceito, é uma decepção.

Fã de Jorge Amado, escritor que “as pessoas leem como historinha, mas não captam as denúncias que ele faz”, veio para ver as participações de Lázaro Ramos e de Edimilson Pereira de Almeida, negros como ela ("me reconheço em todos"). Sempre quis vir à Flip e não reclama do chão de pedras "que contam seu passado". Ela, que ajuda familiares, só conseguiu juntar dinheiro para participar da festa este ano, por insistência da sobrinha, Maitê, que veio na edição passada. Ao lado de Maitê e das amigas Elizabete e Maria Alice, a quem chama de “irmã”, pegou um avião que fez escala em São Paulo, parou no Rio e encarou as 5 horas de estrada feliz e contente.

Diva queria também conhecer Conceição Evaristo, escritora carioca que, no ano passado, levantou a voz contra a falta de negros na programação oficial da Flip. Avessa à tecnologia (“Google é nada, meu negócio é dicionário”), não acompanhou a polêmica que originou mudanças profundas no evento, que pela primeira vez em 15 edições traz mais convidadas que convidados e aumentou a participação de negros em 30%. Chorou copiosamente ao abraçar a nova amiga (“são lágrimas de resistência”, disse Conceição).


Conta en passant que passou frio e passou fome, mas hoje vive bem e já não se deixa abater pelo racismo. Quando percebe que está sendo seguida por um vendedor em uma loja, gosta de "dar nele uma canseira", andando de um lado para o outro. Levanta a voz contra a hipersexualização da mulher negra e, com segurança, conta que não quis ter filhos para que eles não passassem pelo sofrimento que ela passou. Fica ofendida quando perguntam se ela tem uma cuidadora (“a cuidadora de mim sou eu mesma”). Diz que, se ganhasse R$ 1 a cada visualização de seu vídeo, construiria casas populares. No fim das contas, apesar do susto, admite se divertir com o carinho recebido dos novos fãs.

— As pessoas estão falando que eu virei verbo! Eu divei, tu divaste, ele divou. Mas eu divei mesmo — ri, envergonhada.

* Colaborou Jan Niklas


fonte: https://oglobo.globo.com/cultura/livros/um-perfil-de-diva-guimaraes-professora-de-77-anos-que-roubou-os-holofotes-na-flip-21646524#ixzz4oLYeh83l 
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E eis que, do paraíso, o nosso querido Darci Ribeiro escreve pra essa querida Diva!

De Darcy Ribeiro para a Diva da Flip


Querida Diva,
As coisas demoram a chegar aqui, nesta aldeia cósmica onde eu vim passar a tal da curta eternidade, mas hoje cedo me trouxeram o vídeo onde você falou lá em Parati.
Pela primeira vez tive vontade de voltar praí, pra te dar um abraço bem apertado e te sapecar um beijo estalado.
Porque eu, que nunca quis ir embora e briguei o quanto pude para não morrer, andava meio desanimado quando me chegavam aqui, pelo éter, as bobagens que andam sendo ditas aí na nossa Terra.
Até um livro de um tal Camelo, não sei bem o nome dele, dizendo que não há racismo no Brasil apareceu aqui. Não falei nada porque acho que o rapaz escreveu em braille, por incapacidade de ver…
Mas quando vi você juntar tudo o que eu sempre amei na vida – negro, índio, mulher, escola, educação, pensar o Brasil –  e dizer, bem desaforada, que este país (meu grande amor) foi feito com a terra dos índios e o suor dos pretos, esqueci todas as asneiras que me contam  e tive vontade de  fugir do paraíso, aqui onde tenho a minha rede.
Quando eu ainda escrevia no papel – agora eu escrevo no ar, que maravilha, Diva! – falei que no  fazimento do Brasil, gastou-se  cerca de 12 milhões de negros, a principal força de trabalho de tudo o que se produziu aqui e de tudo que aqui se edificou. E falei, meio complicado, tudo o que você explicou melhor, com história do rio das freiras.
As atuais classes dominantes brasileiras, feitas de filhos e netos de antigos senhores de escravos, guardam, diante do negro, a mesma atitude de desprezo vil. Para seus pais, o negro escravo, o forro, bem como o mulato, eram mera força energética, como um saco de carvão, que desgastado era facilmente substituído por outro que se comprava. Para seus descendentes, o negro livre, o mulato e o branco pobre são também o que há de mais reles, pela preguiça, pela ignorância, pela criminalidade inatas e inelutáveis. Todos eles são tidos consensualmente como culpados de suas próprias desgraças, explicadas como características da raça e não como resultado da escravidão e da opressão. Essa visão deformada é assimilada também pelos mulatos e até pelos negros que conseguem ascender socialmente (não vê aquele  babaquinha lá de São Paulo?) , os quais se somam ao contingente branco para discriminar o negro-massa.
Ninguém, Diva, está inteiramente livre disso. Todos nós, brasileiros, “somos carne da carne daqueles pretos e índios supliciados.Todos nós brasileiros somos, por igual, a mão possessa que os supliciou. A doçura mais terna e a crueldade mais atroz aqui se conjugaram para fazer de nós a gente sentida e sofrida que somos e a gente insensível e brutal, que também somos. Descendentes de escravos e de senhores de escravos seremos sempre servos da malignidade destilada e instalada em nós, tanto pelo sentimento da dor intencionalmente produzida para doer mais, quanto pelo exercício da brutalidade sobre homens, sobre mulheres, sobre crianças convertidas em pasto de nossa fúria”.
Quando eu quis, com o Brizola – ele passou aqui, com os filhos, ouviu você e falou, naquele jeito dele, para eu te dizer que não afrouxe o garrão – fazer os Cieps para essa criançada, como era você, lá em Londrina, eles falaram que era caro, que era luxo, que era demais. Eles acham que para as crianças negras, para as crianças da pobreza, basta a lama, para lhes deixar brancas a palma das mãos e a sola dos pés.
De vez em quando, porém, aparece como você para dizer para a gente que acha que ficou branquinha com aquele banho de rio,  que “a mais terrível de nossas heranças é esta de levar sempre conosco a cicatriz de torturador impressa na alma e pronta a explodir na brutalidade racista e classista”.
Precisamos, Diva, de muitas divas assim como você, que despertem uma crescente indignação contra esta herança maldita, porque é isso que  nos dará forças para, amanhã, conter os possessos e criar aqui, neste país, uma sociedade solidária.
Eu, que sempre fui por aí um homem de muitas divas, tenho agora,  daqui de longe, outra Diva por quem me apaixonei.
fonte: http://www.tijolaco.com.br/blog/de-darcy-ribeiro-para-diva-da-flip/

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