Laranjal do Jari: Uma aventura no Amapá
Por Christianne Rothier
Poucos
dias depois do brutal assassinato do velejador neo-zelandês Peter Blake no
Amapá, em 2001, embarco para uma aventura que se inicia na mesma cidade que se tornou
manchete nos jornais de todo o mundo em função da tragédia. Os “ratos d’água” -
como são conhecidos os bandidos que assaltam as embarcações nos rios da
Amazônia - protegidos pela escuridão e pela impunidade, dessa vez “se deram
mal”. No dia seguinte o bando foi preso. Perplexos, disseram não saber que a
vítima era tão famosa. Cheguei no início
da madrugada e logo fui envolvida pelo clima ainda tenso e pelo cheiro de
fumaça das queimadas que estão destruindo grandes áreas da floresta. Do avião
podíamos avistar na escuridão vários focos de incêndio. Só a chegada do inverno
– o início da temporada de chuvas – poderá conter o fogo. A população de Macapá
vem sofrendo com o problema.
Partimos
cedo pela manhã, conduzidos pelo Sr. Oceano Atlântico, um simpático motorista
que logo nos cativou. Éramos 6 pessoas ao todo, um tanto espremidos numa Pic-up
Ranger, na expectativa de, logo adiante, encontrar a Van que deveria nos levar,
com todo o conforto, através das 5 horas de estrada de terra que separa Macapá
de Laranjal do Jari.
Logo
nos afastamos da cidade, levantando muita poeira na estrada cortada no meio da
mata. Foi uma emoção sentir a floresta amazônica ao meu redor. As paisagens iam
se sucedendo: áreas queimadas, buritizais, o cerrado. Muitas pontes de madeira
sobre rios mais e menos estreitos, a floresta. Castanheiras imensas numa área
de reserva extrativista. Sumaúmas vigorosas. Aqueles cenários de livro de
geografia eram reais e me contavam muitas histórias. Paramos logo depois de uma
grande ponte sobre um rio largo, de onde pude avistar um estaleiro e algumas
embarcações típicas da região.
Descobrimos
ser nosso motorista (o Oceano Atlântico) sobrinho de um certo Sr. Oceano
Pacífico. Não é qualquer um que têm uma honra dessas! Envolvidos num ambiente
descontraído e com a temperatura fresca do ar refrigerado, acabamos nos
divertindo muito, imaginando a Van com 15 lugares que viajou somente com o
motorista até seu destino final.
Chegamos
em Laranjal do Jari perto de duas horas da tarde, exaustos. Os biscoitos do
caminho nos tiraram a fome, o que nos permitiu “cair duros” na cama, no Hotel
Central.
Laranjal
do Jari é um município com 14 anos de idade. Nasceu na margem amapaense do rio
Jari, em função do famoso e discutível Projeto de mesmo nome. Um empreendimento
faraônico que enfrentou muitos problemas. Monte Dourado é a cidade que fica na
margem paraense, em terra firme, onde os engenheiros e funcionários de primeiro
escalão do Projeto se estabeleceram. Em Laranjal ficaram os peões, os
“subalternos”, sobre as palafitas – tipo de construção típica da região
amazônica, na beira dos rios, nas áreas de várzea que inundam na época das
chuvas. Sem planejamento, a cidade foi crescendo da margem do rio em direção ao
“agreste”, a terra firme. Há uma rua principal sobre aterro, onde circulam os
carros e ônibus. Há 75 taxis por lá, que cobram R$ 1,50 em sistema de lotação.
As outras ruas são na verdade passarelas de madeira suspensas sobre palafitas.
No “beiradão”, há um grande comércio em lojas e barracas, que vendem de tudo.
Todas
as construções na área de várzea são de madeira. Não há saneamento básico e a
coleta de lixo só atinge 30% das residências. A cidade já foi “campeã” em prostituição infantil, enfrentando ainda o
tráfico de drogas e a violência de gangues. Por R$ 50,00 era possível “eliminar”
um inimigo – o preço da vida em Laranjal.
Na
várzea, o esgoto vai para debaixo das casas, onde há também muito lixo. Um
estudo identificou que quase 90% desse lixo é composto de garrafas plásticas,
que causam danos em muitas outras partes do Brasil e do mundo. No agreste, o
esgoto corre (e fica estagnado) a céu aberto pelas ruas de terra, onde
transitam animais e crianças brincam.
A
gente atravessa o rio em pequenos barcos de alumínio – as “catraias” – com
motor de popa, por R$ 0,30. Há um desconto na compra de 4 bilhetes, que saem
por R$ 1,00. Cabem 15 passageiros, que, em instantes, chegam ao outro lado. Os
carros atravessam numa balsa. Foi recentemente assinado um convênio com o
Ministério do Meio Ambiente para uma série de obras, entre elas a construção de
uma ponte.
Muitos
investimentos estão sendo feitos na cidade. Governos Federal, Estadual e
Municipal, ONGs e empresas privadas estão se unindo para construir um ambiente
melhor para a população. Mas muito há ainda por fazer. A população jovem é imensa
e vem participando de vários programas e projetos interessantes envolvendo
ações sociais, escolaridade, esportes, arte.
O rio
Jari é um afluente do rio Amazonas e faz a fronteira entre os estados do Amapá
e Pará. Subindo o rio (uma hora de
catraia), a gente chega na cachoeira de Santo Antônio. É preciso pagar entre R$
90,00 e R$ 150,00 para ir até lá. É bom levar água e frutas.
Nesta
época do ano ela está meio “seca”, mas no inverno (o período das chuvas) ela se
transforma. É um passeio maravilhoso. A catraia chega bem perto das quedas e
você pode tomar uma deliciosa ducha. Foi lá que tomei um dos maiores sustos da
minha vida! Ao sair debaixo de uma queda d´água, a maior parte do meu corpo
estava coberta de uns “seres minhoquentos”
marrons, que até hoje não sei o que eram. Não me causaram nenhum dano,
mas dei uns bons gritos!
A
cachoeira está protegida por lei ambiental, mas em breve será construída uma
hidrelétrica de “baixo impacto”, que usará 1/3 da vazão para produzir energia.
Outro
passeio legal é até o Riacho Doce, há uns 15 minutos de catraia subindo o rio.
Foi criada uma infra-estrutura para receber os visitantes com serviço de bar,
banheiros, barracas, mesas e cadeiras, música ao vivo. O banho é delicioso. Há
uma espécie de “piscinão” e a água é corrente, bem fresca, limpa.
Neste
local encontramos uns “personagens”: macacos ladrões, que não podem ver nada,
especialmente de comer ou beber, dando sopa, que levam pro alto das árvores. O
problema dessa intimidade com os humanos é que eles acabam bebendo
refrigerantes, cerveja e comendo biscoitos e outras “porcarias”
industrializadas. Havia também um quati muito gaiato, que ganhou o nome de
Genebaldo e que fica fuçando o chão, os troncos das árvores, a perna da gente,
em busca de alimento. Ele come insetos, aranhas e o que consegue surrupiar. Tem
unhas grandes e um focinho comprido e macio. Muito simpático, ficou nosso
amigo.
O povo
da região é muito “musical”. Os gêneros mais difundidos no momento são o Brega,
a Cúmbia, o Zuki, o Boi. Há vários grupos de dança, todos com muita
sensualidade. No período em que lá estivemos, estava acontecendo o 14o
Festival Nhá Rin, comemorando o aniversário da cidade. Estandes, barraquinhas e
um grande palco com arquibancadas foram construídos numa rua do Agreste. Durante 10 dias houve apresentações dos
grupos da cidade de dança, música, capoeira, teatro, além de poetas e um
concurso de Miss. Nas barracas muita cerveja, cremes de frutas, vatapá, tacacá
e outras extravagâncias.
Por
falar em tacacá, não dá pra deixar de falar no tacacá da D. Teresinha. Numa
esquina do Agreste, todos os dias esta simpática senhora monta sua mesinha com
muito esmero a partir das 16.00 hs. Servida em cuia própria, pintada de preto
com desenhos de flores em relevo, a bebida de origem indígena alimenta e
esquenta a alma! Uma goma de mandioca vai por baixo. Em seguida vem o tucupí,
um caldo extraído da mandioca, bem temperado, depois as folhas de jambú, uma
planta que dá uma leve sensação de dormência, formigamento nos lábios, camarão
seco (o bom é o que vem do Maranhão) e pimenta a gosto. Sentados num banco de
madeira, só faltávamos entrar em êxtase, tomando aquela delícia. Cada um
“monta” o seu de acordo com seu gosto: bem tucupí, pouca goma, mais pimenta....
O povo senta, toma seu tacacá e segue seu caminho. D. Teresinha lava com água
as cuias em uma bacia de alumínio bem polida e as deixa escorrer emborcadas
sobre a mesa. D. Teresinha também serve mingáu, com ou sem canela, o que nós
aqui do Rio de Janeiro chamamos de canjica, feita com milho branco, prato
típico das nossas festas juninas. Aos sábados ela prepara também o vatapá,
outra iguaria.
Minha ida ao laranjal do Jari foi a convite da SANS,
Sociedade Amapaense para a Natureza e Solidariedade, uma ONG que, em parceria
com a Prefeitura, Governo Estadual e Ministério do Meio Ambiente
desenvolveu projetos na cidade. Lá estive para realizar uma Oficina de Brinquedos de Sucata com jovens do Projeto Cidadão Ambiental.
Meses
depois lá estava eu de volta, dessa vez realizando uma pesquisa de campo para
elaborar o Guia das Habilidades Humanas do Laranjal do Jari e a Agenda
Ambiental para Professores, publicações do Projeto Cidadão Ambiental, uma
parceria da SANS com a Prefeitura e o MMA.
A
Agenda Ambiental para Professores foi feita em parceria com Claudia Tebyriçá,
artista plástica e educadora, minha parceira em diversos projetos.
A
partir das minhas observações e entrevistas no local e pesquisas em livros e
outras publicações, identificamos as questões ambientais mais importantes
naquela região. Foi uma surpresa constatar que, em plena região amazônica, com
rios imensos e água por todos os lados, justamente a água é um problema em municípios como o
Laranjal do Jari. Em média somente 25% da população urbana é atendida com água
tratada.Os custos do tratamento são altos e há muito desperdício. 80% dos
domicílios depositam seus dejetos sanitários em vala negra ou diretamente no
rio, o que acaba tendo graves conseqüências na saúde da população.
Na
Agenda nós apresentamos para os professores sugestões de atividades, temas para
reflexão em sala de aula e na comunidade além de um anexo com bibliografia sobre meio ambiente e outros
assuntos afins.
Como
queremos que o nosso planeta seja no futuro?
O que
planejamos deixar como herança para as próximas gerações?
É
fundamental pensar sobre isso, seja no Laranjal do Jari seja em qualquer outra
parte do planeta!
Christianne
Rothier
Fevereiro
de 2003
(Este texto foi publicado na Revista Velejar e Meio Ambiente)
A Agenda Ambiental para Professores e o Guia de Habilidades Humanas estão disponíveis para download aqui no blog
Como estará o Beiradão após todo esse tempo?
Estou "cuíra" (uma expressão amapaense para a curiosidade) pra ver o programa na TV e matar um pouquinho as saudades